Leia aqui um trecho de "entre muros e sussurros", de Lindjane Pereira:
Preciso ser esquecida.
Cinquenta miseráveis metros quadrados divididos por dois adultos e duas crianças pequenas, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Só me resta o banheiro. Entro, ligo o chuveiro e finjo não ouvir.
— Mãe!
Impossível esquecer a primeira vez que meu filho pronunciou a palavra. Tinha menos de dois anos, estava no berço e me chamou com uma vozinha frágil e chorosa. Saboreei-a como a um manjar, travoso no final. Naquele instante, compreendi e amei a minha mãe devotadamente. Assim como eu, ela não adoecia, não reclamava e chorava de olhos secos.
Hoje, repetida incessantemente, a palavra feri. Cada vez que a pronunciam, falta-me ar. Subo num banquinho e alcanço uma pequena janela que há no box, na tentativa de respirar. Sento-me no vaso sanitário diante da parede branca e vazia.
— Dora, você está a quase meia hora no banho. As crianças estão se matando aqui fora.
Quando soube da quarentena, vislumbrei a oportunidade de me tornar a imagem inatingível de mim mesma. Ver meus filhos acordados; conversar com o meu marido; ler um livro, assistir a um filme. Dizem que mulheres modernas são plenamente capazes de fazer tudo isso.
A dose do remédio, contudo, foi alta demais. Quanto mais próximos estamos, mais irritados um com outro nos tornamos. Se ao menos morássemos em uma casa – a mais simples delas – na qual houvesse um pequeno quintal onde pudéssemos tomar sol, levar vento, pisar num chão de terra batida. Ao invés disso, esse caixote claustrofóbico.
A verdade é que fronteiras e pausas são essenciais. Dividir o mesmo espaço não significa proximidade real. A arquiteta, a mãe, a esposa, a mulher, não conseguem coexistir neste cubículo.
entre muros e sussurros, de lindjane pereira
Nasci em Feira de Santana-BA, mas desde criança vivo em João Pessoa, na Paraíba, lugar que amo.
Apaixonada por leitura e escrita, cursei Jornalismo na UFPB onde também fiz a licenciatura, o mestrado e o doutorado em Letras.
Trabalhei como repórter e assessora de imprensa até que fui aprovada em um concurso público e me tornei professora da Educação Básica.
Digo hoje que sou uma professora/revisora de textos que já foi jornalista e que começa a se aventurar no universo da escrita de textos literários. Sempre amei poesia (pesquisei Drummond no doutorado) e narrativas curtas, como contos e crônicas, especialmente as mais líricas, como os textos de Rubem Braga.
Entre muros e sussurros é o meu primeiro livro.